Reforma Trabalhista: alcoolismo gera justa causa?

Prezado(a) Leitor (a),

Hodiernamente muito tem se discutido sobre o uso de drogas , principalmente em razão da existência da “Cracolândia” e das tentativas de acabar com este mal. A mídia muito fala nas drogas :cocaína ,maconha, crack, dentre outas. E fica ali -no “lugar oculto” – os cigarros e o álcool.

Do uso social ao problemático, o álcool é a droga mais consumida no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), aproximadamente 2 bilhões de pessoas consomem bebidas alcoólicas. Seu uso indevido é um dos principais fatores que contribui para a diminuição da saúde mundial, sendo responsável por 3,2% de todas as mortes e por 4% de todos os anos perdidos de vida útil. Quando esses índices são analisados em relação à América Latina, o álcool assume uma importância ainda maior. Cerca de 16% dos anos de vida útil perdidos neste continente, estão relacionados ao uso indevido dessa substância, índice quatro vezes maior do que a média mundial.(1)

Apesar da grande divulgação do crescente uso do crack, o álcool é considerado como a droga que mais apresenta danos aos indivíduos, e à sociedade brasileira. O álcool oferece ao governo os maiores prejuízos econômicos, com doenças, acidentes, e muitos outros, sendo este a porta de entrada para as outras drogas. (2)

O uso abusivo do álcool ocasiona prejuízos em vários aspectos da vida, dentre eles no ambiente profissional, pois diminui a produtividade e aumenta o número de faltas e probabilidade de acidente de trabalho.

O II LENAD também mostrou que 8% (7,4 milhões de pessoas) admitiram que o uso de álcool teve efeito prejudicial no seu trabalho, enquanto 4,9% (4,6 milhões de pessoas) relataram já ter perdido o emprego devido ao consumo de bebidas alcoólicas. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), agência das Nações Unidas de informação, análise e orientação sobre o trabalho, de 20% a 25% dos acidentes de trabalho no mundo envolvem pessoas que estavam sob o efeito do álcool ou outras drogas. Além disso, os prejuízos do uso de álcool no ambiente de trabalho acarretam custos enormes para a economia do país. (3)

Diante disto, demonstra-se a importância desta “conversa”.

O consumo de drogas, especialmente o álcool, vem aumentado na sociedade e atinge todas as classes sociais.

A droga lícita gera consequências nefastas para os indivíduos. No âmbito laboral, para a organização do trabalho, o empregado alcoólatra terá: queda de produtividade, dificuldade de convívio, interação, falta de motivação, modificações de comportamento, dentre outros sintomas prejudiciais ao bom desempenho das tarefas. Além de estar mais propenso a sofrer acidentes de trabalho.

É importante destacar que a sociedade e os empregadores muitas vezes ignoram o alcoolismo como doença e praticam condutas discriminatórias.

Se você é da área jurídica e/ou atua na área trabalhista ao ler o título deste texto talvez tenha ficado se perguntando a razão de escrever sobre algo que já foi tão discutido e com entendimento pacificado pelos tribunais.

Eis o motivo: além do tema “drogas” está em voga, o artigo 8°,§2°,CLT presente no substitutivo da reforma trabalhista faz crer que este entendimento  pode, ou  quiçá “deve” ser modificado.

Antes de entrar nesse “nó górdio” é importante passar por alguns conceitos.

# Embriaguez habitual e em serviço

Art. 482 – Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

f) embriaguez habitual ou em serviço

A lei trabalhista prevê a possibilidade de demissão por justa causa na embriaguez habitual e na embriaguez em serviço.

Para a jurisprudência a embriaguez habitual e em serviço não podem ser tratadas da mesma forma. Sendo assim, a embriaguez habitual (crônica) é a que ocorre reiteradamente e a embriaguez em serviço é a que ocorre esporadicamente, nesta última é cabível justa causa.

Há entendimentos ,também, de que para que uma empresa demita um funcionário por justa causa com a alegação de que ele se apresentou bêbado, é necessário avaliar o grau de embriaguez e saber se o suposto cheiro de álcool não poderia ser de outra coisa. Além disso, em um segundo episódio desse tipo, o empregador deve encaminhar o trabalhador para tratamento, por ser indício de uma doença. O entendimento é da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho em caso de demissão de um supervisor de movimentação de cargas em plataforma de petróleo. (4)

Noutro giro, a depender da profissão a justa causa pode ser imediata. Frise-se

DISPENSA POR JUSTA CAUSA -MOTORISTA – EMBRIAGUEZ NO TRABALHO O comparecimento do motorista ao trabalho em estado de embriaguez, configura falta grave e coloca em risco sua integridade física e dos passageiros, sendo suficiente para a ruptura motivada do contrato de trabalho nos termos do art. 482, alínea f, da CLT. (TRT-3 – RO: 01302201209703000 0001302-41.2012.5.03.0097, Relator: Convocada Maria Cecilia Alves Pinto, Terceira Turma, Data de Publicação: 30/06/2014,27/06/2014. DEJT/TRT3/Cad.Jud. Página 74. Boletim: Não.) (grifos nossos)

TRT-PR-22-03-2011 CONSUMO DE BEBIDA ALCOÓLICA EM SERVIÇO. FALTA GRAVE. DISPENSA POR JUSTA CAUSA. Para caracterização e acolhimento da justa causa, é necessário prova robusta, clara e induvidosa de ato praticado, ensejador da dispensa capitulada no art. 482 da CLT. Outrossim, para tipicidade da justa causa, exige-se a atualidade, a relação causa-efeito e, principalmente, a gravidade da falta. O consumo de bebida alcoólica em serviço configura falta grave a justificar demissão por justa causa, notadamente quando ocasiona acidente de trânsito, inexistindo qualquer viabilidade de gradação na punição, o que propicia, de imediato, a aplicação da pena máxima existente no Direito do Trabalho. Recurso ordinário do reclamante ao qual se nega provimento.(TRT-9 241492009652900 PR 24149-2009-652-9-0-0, Relator: ARCHIMEDES CASTRO CAMPOS JÚNIOR, 3A. TURMA, Data de Publicação: 22/03/2011) (grifos nossos)

Sim Anita, bom saber estas informações e tudo o mais! Só que uma pergunta não quer calar: por que a jurisprudência vem entendendo que a embriaguez crônica não é capaz de gerar justa causa?

 # Alcoolismo como doença e reflexos na relação laboral

O Código Internacional de Doenças (CID) classifica o alcoolismo como Síndrome de dependência do álcool, é uma patologia que gera compulsão e leva o viciado a consumir descontroladamente a substância psicoativa, o que provoca transtorno mental e comportamental, retirando a capacidade de discernir.

O termo embriaguez é vago. Parte da doutrina e da jurisprudência entendem que o termo deve ser ampliado e abarcar os efeitos narcóticos, analgésicos ou entorpecentes.

Atente-se:  a dependência química é doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, sob a denominação de transtorno mental e comportamental devido ao uso de substância psicoativa”, a dispensa por justa causa é um ato abusivo e discriminatório por parte do empregador.

Vale salientar que a OMS classifica a embriaguez como “toda forma de ingestão de álcool que excede ao consumo tradicional, aos hábitos sociais da comunidade considerada, quaisquer que sejam os efeitos etiológicos responsáveis e qualquer que seja a origem destes fatores,como: a hereditariedade, constituição física ou influências metabólicas adquiridas”.

Sendo assim, outros entendem que as faltas tipificadas no artigo dizem respeito à ingestão de substancias alcoólicas e as demais formas de intoxicação seriam penalizadas como justa causa: incontinência de conduta, mau procedimento e indisciplina.

Embora seja considerado uma doença, o artigo 482,f,CLT caracteriza a embriaguez habitual como falta grave, conforme já salientado. Em resumo são estas as razões pelas quais os tribunais entendem que a embriaguez habitual não gera justa causa.

O mencionado artigo é discriminatório.

#Discriminação do empregado alcoólatra

É fato que o legislador pela interpretação literal e histórica da CLT afasta a responsabilidade do Estado de proteger direitos fundamentais e à dignidade humana. Esta premissa é reforçada através do artigo 196,CF.

Veja:

A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Diante disto os tribunais trabalhistas, passaram a considerar discriminatória a dispensa em razão de dependência do álcool. Pois além de violar o princípio da proteção, desprotege direitos fundamentais e dignidade humana, valorização do trabalho humano, função social do contrato.

Além do que o artigo 1° da lei n°9.029/95 veda práticas discriminatórias. No mesmo toar, a convenção 111,OIT ,ratificada pelo Brasil, classifica como discriminatórias práticas que visem impedir o acesso ou manutenção da relação de emprego.

Ok. Fiquei refletindo o que foi falado até aqui. Embriaguez (em sentido estrito) em serviço -em tese- gera justa causa.

Pois bem, a embriaguez não é presumível:embrietas non presumitur,onus probandi incumbit allegandi”.

A prova é extremamente difícil. O único meio razoavelmente aceitável consiste na dosagem alcoólica no sangue. Mas, a par das dificuldades notórias que se encontre quem,oficialmente, faça tal exame, esbarra o patrão interessado com a legitimidade da recusa: ninguém é obrigado a submeter-se a dosagem alcoólica. A negação será mero indício, jamais prova.(5)

Ainda no tema “provas”, será que # Para atestar a embriaguez é permitido o uso de bafômetro ( etilômetro)?

A legislação atual não regulamenta o uso de bafômetros em empresas ou mesmo por particulares. Apesar disso, existem divergências sobre o assunto,- uns entendem a depender do caso a utilização do uso do bafômetro gera dano moral , pois fere dignidade e constrange o trabalhador. Outros entendem que a depender de como o empregado é submetido ao teste do bafômetro e se constitui proteção ao priograma de proteção e prevenção de dependência química, não gera dano moral-

Desta forma, é  fato que há dúvidas acerca da possibilidade ou não da realização de tal teste para a constatação de embriaguez durante a jornada de trabalho. Atente-se:

-decisões a favor do uso do bafômetro

A reclamação ajuizada pelo ex-empregado de uma empresa de engenharia trouxe para a Justiça do Trabalho uma discussão interessante: Será que o fato de o empregador realizar teste do bafômetro gera danos morais? Foi com base nessa alegação que o trabalhador pediu o pagamento de uma indenização. Mas, após avaliar a peculiaridades do caso, a pretensão foi negada tanto pelo juiz de 1º Grau, como pela 10ª Turma do TRT de Minas, que negou provimento ao recurso do empregado.

O fato de a empresa realizar o teste do etilômetro, em seus funcionários, de forma totalmente aleatória e mediante sorteio, não caracteriza ato ilícito, estando inserido no seu poder diretivo, visando a saúde e o bem estar de seus empregados, com vistas também a evitar a ocorrência de acidentes na obra pela qual era responsável”, concluiu o julgador diante dos fatos apurados(PJe: Processo nº 0010262-50.2015.5.03.0171. Data de publicação da decisão: 30/09/2015)-(6)   

DANOS MORAIS. TESTE DO BAFÔMETRO. PROGRAMA DE PREVENÇÃO E TRATAMENTO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA INSTITUÍDO PELA VALE S.A. Extrai-se do conjunto fático-probatório examinado pelo Regional que a Vale S.A., segunda reclamada, instituiu Programa de Prevenção e Tratamento de Dependência Química para os seus empregados e terceirizados. Esse programa tinha como escopo a prevenção de acidentes e a promoção de segurança no trabalho e incluía a realização de teste de bafômetro uma vez por semana em dez empregados sorteados de forma aleatória. Verifica-se que, in casunão houve abuso do poder diretivo do empregador, porquanto era respeitada a sigilosidade do resultado dos testes e que o sorteio era feito dentro de um contêiner. Tampouco ficou evidenciado que houve constrangimento do empregado ao ser selecionado para o teste nem que fosse obrigatória a realização do referido exame. Do mesmo modo, a Corte de origem não registra que tenha havido dispensa de funcionário em face da aplicação do teste. Logo, não configurada a prática de ato ilícito pela reclamada, não há falar em reparação civil a título de danos morais na hipótese (n° TST-RR-10805-95.2015.5.03.0060). (grifos nossos)

Frise-se que por outro lado, o parecer n. 26/2012 do Conselho Federal de Medicina (CFM), cuja ementa assim coloca: “não é eticamente aceitável a solicitação de exames de monitoramento de drogas ilícitas, em urina e sangue, para permitir acesso ao trabalho, pois isto contraria os postulados éticos. Não é cabível a realização de exames em funcionários de empresas para detectar a presença de álcool e/ou drogas, por se tratar de postura discriminatória.”

É inegável que o objetivo da não discriminação de tal parecer foi louvável.

Mas agora imagine um motorista. O artigo 235 -B da CLT (instituído pela Lei 12.619/2012), é dever do motorista profissional submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. Ademais: “a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei.”

Este artigo 235-B,CLT não é discriminatório, uma vez que preza pelos interesses da coletividade em detrimento do direito individual de “discriminação”.(7)

Ahh, beleza! Que interessante. Outra coisa:

#E se o dependente do álcool for demitido por justa causa, o que fazer ?

Disciplina a súmula 443,TST que presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

Em outras linhas, havendo a demissão por justa causa motivada pela dependência química ou que haja indícios de dispensa discriminatória o empregado poderá ajuizar ação judicial visando à reintegração ao trabalho, indenização por dano moral e, caso necessário, solicitar o afastamento para tratar de sua saúde perante o INSS, sem que a empresa possa se esquivar do cumprimento da sua função social.

Eita beleza, tudo se encaixando…

“Só que não!” A culpa é da proposta da Reforma Trabalhista.

# Substitutivo da Reforma Trabalhista

Lembra do mencionado artigo 8°,§2°,CLT , o qual consta no substitutivo da Reforma trabalhista que poderá ser incluído na CLT pelo PL nº 6.787/2016 (PLC 38/2017, no senado), e que foi citado lá no início deste post?

Pois é. Ele traz a seguinte redação:

Artigo 8º – As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. § 2º Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

 Note que o dispositivo supramencionado permite que em caso de omissão legislativa seja utilizada a jurisprudência, costume, analogia, equidade , outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, os usos e costumes e o direito comparado. Mas no caso aqui tratado- da justa causa por embriaguez-, não há o que se falar em omissão legislativa por conta do artigo 482,f,CLT.

Sendo assim, a celeuma da justa causa, já solucionada na atualidade, voltará e o entendimento consolidado poderá ou terá que ser modificado.

Daí analisa-se a segunda parte do artigo: o parágrafo segundo. Este reduz o juiz ao “boca da lei” e a atuação dos tribunais trabalhistas (TRS/TST) ao que está previsto em lei. Pois, Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho NÃO poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

Desta forma, retira a importância que o Novo Código de Processo Civil conferiu aos precedentes judiciais/ súmulas e limita a função típica do judiciário que é julgar.

Diante do brilhantismo, é de bom grado transcrever comentário de Cassar (2017) ao artigo 8°,§2°,CLT:

“A expressão jurisprudência é derivada da conjugação dos termos, em latim,jus (Direito) e prudentia (sabedoria), que significa aplicação do direito ao caso concreto. A jurisprudência não se forma por decisões isoladas, mas sim após uma série de decisões no mesmo sentido. A jurisprudência é o resultado da adequação das hipóteses abstratas previstas em lei aos casos concretos submetidos a julgamento. Concordamos com De Page quando afirma que a “(…) lei é uma roupa feita que serve a todos porque não assenta bem em ninguém (…)” e que “(…) a justiça exige uma roupa sob medida” para cada um que buscá-la. Aí está a finalidade da jurisprudência, harmonizar estas duas extremidades. A lei é geral e abstrata. O direito e a justiça exigem uma apreciação particular. Diante deste paradoxo, compete ao juiz humanizar a lei, adaptando-a a cada caso. Ao decidir uma lide o julgador interpreta a lei impondo sua decisão, julgando com equidade. O texto proposto afirma que a jurisprudência não pode restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações não previstas em lei. Entretanto, os costumes, os princípios, valores e postulados, principalmente os Constitucionais, também são fontes formais de direito e algumas vezes superam textos legais. Ademais, muitas vezes as leis se tornam obsoletas e desatualizadas, necessitando de uma interpretação histórico evolutiva ou constitucional. Nesses casos, a jurisprudência age como integradora e atualizadora da legislação. A proposta pode ser considerada, inclusive, inconstitucional, por impedir o controle de leis pelos princípios e valores constitucionais. Logo, não é crível que haja impedimento da jurisprudência na interpretação e integração da lei, como acontece em todos os ramos do direito. Por esse motivo, o parágrafo 2º, do artigo 8º do PL deve ser suprimido.” (8)

Em razão de tudo isso, quais são as consequências trazidas para o assunto “embriaguez habitual como forma de justa causa” se o artigo 8°,§2°,CLT for acrescentado ao diploma laboral?

Ao que parece, com base em tal artigo deverá prevalecer o que está previsto na CLT (lei): então, embriaguez habitual (alcoolismo) gera justa causa, não é isto produção? E para o caso, a súmula 443,TST  e o entendimento da OMS (Organização Mundial de Saúde)  que alcoolismo é doença serão “deixados de lado” , uma vez que não se pode restringir direitos legalmente previstos e nem criar obrigações que não estejam previstas em lei.

Sendo assim resta aí um flagrante retrocesso, pois o artigo 482,f,CLT foi fruto da “Era Vargas”. O Brasil ainda avançava no campo da industrialização.No afã de regular e proteger conflitos de interesses entre capital e trabalho, o Estado previu políticas sociais genéricas em alguns pontos, dentre eles no artigo 482,f,CLT.

Esta postura se justifica por conta do contexto histórico que a norma foi elaborada, pois no início do século XX ainda estavam sendo iniciados os estudos científicos sobre o alcoolismo.

Dorval Lacerda, um dos integrantes da elaboração da CLT, afirmou que a capitulação da embriaguez como justa causa seria uma ”ação indireta do Estado contra a propagação do alcoolismo”. Nota-se que o alcoolismo à época era visto como “vício social” e “falta de caráter”. A CLT tratou o alcoolismo como nefasto acontecimento.Vício punível não com chibatadas,como seria até aceitável para a época,mas com- no mínimo,demissão sumária,por justa causa absoluta. (9)

Fica o alerta!

A título de curiosidade:

# Na Colômbia

No ano de 2017, uma polêmica sentença da Corte Constitucional da Colômbia protege os trabalhadores que utilizaram drogas e conseguem realizar as tarefas sem que sua rotina trabalhista ou produtividade seja afetada. A decisão acirrou paixões e dividiu os especialistas num país onde a produção e o consumo de cocaína voltou a crescer nos últimos anos.

O tribunal colombiano reinterpretou uma parte de um artigo do Código Trabalhista que explicita a proibição de “se apresentar ao trabalho em estado de embriaguez ou sob a influência de narcóticos ou drogas. Por quê? Porque nem sempre essas substâncias atrapalham o desempenho profissional. (10)

Conclusão

Por todo o exposto, conclui-se que a embriaguez habitual pela CLT configuraria culpa grave do empregado a ensejar a ruptura contratual por justa causa. Só que este posicionamento está superado em nossa doutrina e jurisprudência trabalhista, sendo grande o número de decisões judiciais no sentido de que o alcoolismo é uma doença e, como tal, deve ser tratada, não caracterizando justo motivo para despedimento do empregado.

Isso deve ao fato de que atualmente o alcoolismo é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde – OMS. A empresa deve cumprir sua finalidade social, que diz respeito ao bem comum e individual.

Sendo assim, dentre as práticas éticas, deve-se incluir a adoção de medidas ou programas de orientação,prevenção e atendimento dos dependentes.É importante que os sindicatos prevejam como cláusula social o direito de todo empregado integrar este tipo de programa.

Por fim , mas não menos importante, é preciso ficar alerta para as implicações que o artigo 8°,§2°,CLT poderá causar nas decisões da justiça trabalhista. Para este post especialmente o que tange à justa causa ocasionada pela embriaguez habitual .
Até o próximo encontro!

Referencias bibliográficas

(1)  http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/relatorio_padroes_consumo_alcool.pdf

(2) CORRÊA; Rubens Gomes. Introdução à reabilitação de dependentes Químicos. Curitiba, PR: Instituto Federal de Educação, Ciências e Tecnologia, Educação à Distância, 2011.

(3) http://www.cisa.org.br/artigo/467/alcool-trabalho.php

(4) http://www.conjur.com.br/2015-out-19/justa-causa-levar-conta-grau-embriaguez-fixa-tst

(5)TEIXEIRA, J.R.F.Direito do trabalho.são Paulo:sugestões literárias ,1968,V.Ip.221.

(6)  https://trt-3.jusbrasil.com.br/noticias/260669962/teste-de-bafometro-para-garantir-seguranca-de-empregados-nao-gera-dano-moral

(7 )http://www1.folha.uol.com.br/saopaulo/1197665-dobra-o-numero-de-empresas-que-exigem-antidoping-aos-funcionarios.shtml

(8) http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI258190,41046-Reforma+trabalhista+Comentarios+ao+substitutivo+do+projeto+de+lei

(9) Apud. TEIXEIRA J.R.F .Alcoolismo e direito(aspectos de alguns problemas).2.ed.Curitiba:Cris editora e artes gráficas ltda,1985,p.09.

(10) http://brasil.elpais.com/brasil/2017/03/09/internacional/1489024985_217534.html

 


Sobre o autor: Anita Duarte de Andrade

Advogada.Colunista da MRC Cursos.Colunista do site Os Trabalhistas.Especialista em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Superior da Magistratura Trabalhista -ESMATRA/ Recife-PE (2014)

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