Entenda as perspectivas tributárias da Nova Lei de Falências

A chamada Nova Lei de Falências (“NLF”), a Lei Federal nº 14.112/2020, para além das questões tributárias, estabelece diversas e as mais variadas alterações nos procedimentos relativos à recuperação das empresas, seja pelo viés dos procedimentos da recuperação extrajudicial, recuperação judicial ou da falência.

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Aprovada no final de 2020 e com efeitos a partir deste ano, agora focamos nossos esforços nas grandes mudanças da área tributária e fiscal, as quais precisam ser avaliadas com cuidado pelas Empresas, pois já e imediatamente aplicáveis àquelas que estejam inseridas nesses procedimentos e processos, assim como estejam em fase de avaliação sobre a recuperação nos moldes da NLF.

Nesse contexto, há grandes oportunidades de reorganização e tratamento dos passivos, assim como importantes pontos de atenção no que tange à legislação.

Em síntese, a NLF trouxe ao Fisco, ao nosso ver inconstitucionalmente, maiores poderes e influência no destino da recuperação judicial.

Nesse contexto, trouxe a possibilidade: a) do Fisco requerer a falência da Empresa em caso de descumprimento e exclusão dos parcelamentos celebrados; e b) a possibilidade de continuidade das execuções fiscais, não mais o sobrestamento destas em função do Juízo Absoluto Recuperacional.

Por outro lado, também trouxe mecanismos que visam ao estímulo da regularização fiscal, seja por meio de parcelamentos incentivados na própria NLF, com aumento de prazos e outras condições, como a aceitação das modalidades novas de reorganização de débitos, como transações e negócios jurídicos processuais junto à Receita Federal do Brasil (“RFB”) e à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”).

Assim, trouxe importantes mecanismos contidos em outras normas veiculadoras de parcelamentos incentivados para facilitar o soerguimento das empresas. Possibilita, assim, ao contribuinte liquidar o mesmo percentual da dívida consolidada (30%) com prejuízos fiscais, bases de cálculo negativas e outros créditos próprios relativos a tributos administrados pela RFB. E tal possibilidade representa importante instrumento às Empresas que, muitas vezes, possuem relevantes créditos decorrentes de teses tributárias e/ou revisões fiscais, cuja utilização costuma ficar restrita às parcelas vincendas de suas obrigações tributárias perante a RFB.

Ainda, a NLF, como quadro aos demais entes federativos, possibilitou a criação e o estabelecimento de hipóteses de transação tributária nas mesmas condições às Federais aos débitos que administrem. É importante instrumento de salvaguarda e segurança para os administradores públicos, já que agora contam com autorização expressa para tanto.

NLF tenta estimular a conformidade fiscal, mas peca ao estabelecer condições demasiadamente rígidas em relação a alguns pontos dos mecanismos de regularização previstos, o que claramente vão contra os dispositivos constitucionais e a própria razão de existir das possibilidades de recuperação empresarial.

Inclusive, do conjunto de mudanças, pode-se dizer que o Fisco foi “favorecido” com regras que permitem maior eficiência na cobrança de seus créditos (i.e., competências claras do Juízo recuperacional que não obstam a continuidade da execução fiscal, nem dos atos constritivos que digam respeito a bens não essenciais às atividades da Empresa) e maior poder de pressão, inclusive com a possibilidade de convolação da RJ em falência em caso de não pagamento do parcelamento tributário.

QUADRO RESUMO DOS PRINCIPAIS DISPOSITIVOS ALTERADOS E SUAS IMPLICAÇÕES

Pontos de Oportunidades da NLF:

  1. Parcelamento de Débitos Tributários

Número de parcelas –até 120 (anteriormente era 84);

Natureza dos Débitos – tributária ou não tributária, constituídos ou não, inscritos ou não em dívida ativa (ou seja, tanto débitos na RFB/”Conta-Corrente” quanto na PGFN/”Regularize”); e

Valores e Tempos dos Débitos: podem ser inseridos todos os débitos existentes até a data do protocolo da petição inicial da recuperação judicial.

Benefícios:

  1. Utilização de Prejuízo fiscal do IRPJ e Saldo Negativo de CSLL + Créditos próprios, sendo o restante parcelado em 84 parcelas;
  2. pagamento do parcelamento conforme as seguintes balizas:
    1. da 1ª até a 12ª prestação (1º ano), pagamento mensal de 0,5% do débito;
    2. da 13ª até a 24ª prestação (2º ano), pagamento mensal de 0,6% do débito;
    3. da 25ª prestação em diante (3º até o 10º ano), pagamento mensal em parcelas iguais correspondentes ao saldo remanescente dividido pelas prestações faltantes (96).
  3. Possibilidade de adesão e/ou migração da Empresa Recuperanda a parcelamentos extraordinários, transações tributárias e outras medidas tendentes a reorganização de débitos.
  4. Parcelamento de Tributos Retidos na Fonte e não recolhidos (em até 24 parcelas mensais consecutivas), desde que pagos os seguintes percentuais mínimos):
    1. da 1ª até a 6ª prestação (1º semestre), pagamento mensal de 3% do débito;
    2. da 7ª até a 12ª prestação (2º semestre), pagamento mensal de 6% do débito;
    3. da 13ª prestação em diante (2º ano), pagamento mensal em parcelas iguais correspondentes ao saldo remanescente dividido pelas prestações faltantes (12).

Pontos de Atenção:

  1. não há descontos/reduções nesta modalidade;
  2. “Trava” de 30% na compensação dos débitos com os prejuízos fiscal, saldo negativo de CSLL e outros créditos próprios, quaisquer que sejam.
  3. Em caso de migração e/ou adesão a outras formas de extinção ao Crédito Tributário, as Empresas deverão:
  1. Fornecer às Autoridades Fiscais as informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros;
  2. Amortizar o saldo devedor do parcelamento com percentual do produto de cada alienação de bens e direitos integrantes do ativo não circulante realizada durante o período de vigência do plano de recuperação judicial;
  3. Manter a regularidade fiscal; e
  4. Proceder ao cumprimento regular das obrigações para com o FGTS.
  1. Parcelamento de débitos não constituídos (RFB/”Conta-Corrente”) e parcelas vincendas

Empresas podem parcelar débitos ainda não vencidos (até a data do protocolo do pedido de recuperação judicial) em até 24 (vinte e quatro) vezes – para EPP/ME, o prazo-limite será de até 28 meses.

  1. Transação tributária

NLF: Após deferimento do processamento da Recuperação Judicial, Empresas podem submeter à PGFN “Proposta de Transação”

Número de parcelas: até 120 (mesmo número do Parcelamento Recuperacional Ordinário);

Natureza do débito – SOMENTE inscritos em Dívida Ativa da União (PGFN/”Regularize”)

Benefícios – Possibilidade de Reduções de até 70% (setenta por cento) do valor total atualizado do débito.

Compromissos das Empresas – (i) fornecimento de informações bancárias, incluídas aquelas sobre extratos de fundos ou aplicações financeiras e sobre eventual comprometimento de recebíveis e demais ativos futuros; (ii) manter a regularidade fiscal; (iii) manter certificação de regularidade perante o FGTS; e (iv) demonstrar a ausência de prejuízo decorrente do cumprimento das obrigações contraídas com a celebração da transação em caso de alienação ou de oneração de bens ou direitos integrantes do respectivo ativo não circulante.

Atenção! A aprovação da Proposta de Transação pela Procuradoria deverá ser motivada e fundamentada, nos termos dos requisitos e princípios contidos na Constituição Federal e descritos na Lei Federal nº 13.988/2020 (“Lei da Transação Tributária”), levando em consideração: a) o grau de recuperabilidade do crédito tributário; b) as condições econômico-sociais da empresa devedora; c) a preservação da atividade empresarial e a maior eficiência arrecadatória em prol do erário.

Vale lembrar que existem possibilidades de Transação Tributária fora do ambiente da NLF para os créditos da Fazenda Nacional, tributários ou não, com descontos e parcelamentos de até 132 meses, nos termos da Lei da Transação Tributária acima citada.

Tratamento tributário aplicável aos ganhos de capital na alienação judicial de UPI: a parcela do lucro líquido decorrente do ganho de capital resultante da alienação judicial de UPI poderá ser integralmente compensada com prejuízos fiscais de exercícios anteriores, sem a limitação de 30%. Para tanto, a alienação deverá ocorrer entre partes independentes. Ainda, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devidos sobre o ganho de capital poderão ser parcelados.

  1. Dedutibilidade das despesas: despesas correspondentes à obrigação assumida no plano serão consideradas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Tratamento tributário dos efeitos relativos à redução do valor das dívidas nas hipóteses de renegociação (“haircut”) independentemente dos efeitos contábeis e desde que a renegociação das dívidas ocorra entre partes não relacionadas, mesmo que as dívidas não estejam sujeitas ao plano de recuperação judicial, os efeitos de sua redução têm o seguinte tratamento tributário:

(i) as receitas não serão tributadas por PIS e Cofins;

(ii) o ganho poderá ser integralmente compensado com prejuízos fiscais de exercícios anteriores, sem a limitação de 30%.

De modo geral, as alterações trazidas pela Lei 14.112/2020 mostraram-se extremamente necessárias, não só para a retomada da economia nacional, mas também para a simplificação do procedimento recuperatório interno.

Espera-se que os benefícios fiscais introduzidos pela nova Lei atinjam de modo positivo os contribuintes a eles submetidos.

compatibilizar a cobrança de créditos públicos com a recuperação judicial de empresas em crise, prima por uma regência jurídica das recuperações judiciais consentânea com o Estado Constitucional Democrático de Direito.

Pontos de ATENÇÃO da NLF:

  1. Competência para a substituição de constrições decorrentes de débitos fiscais

A NLF estabelece que cabe ao Juízo da Recuperação Judicial “determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens essenciais à manutenção da atividade empresarial”, mediante “cooperação jurisdicional” com o juízo da execução fiscal, ainda que estas construções decorram de débitos de natureza tributária.

Como pontos de atenção, temos os seguintes: (i) a NLF fixa expressamente os limites das competências dos juízos da recuperação judicial e da execução fiscal em relação aos débitos tributários; (ii) há a possibilidade de continuação das execuções fiscais, e até o manejamento de atos constritivos, caso estes não digam respeito a “bens essenciais à manutenção da atividade empresarial” (i.e., dinheiro); (iii)

  1. Poderes ao FISCO FEDERAL para requisitar a Falência da empresa

Da nova redação da NLF, está prevista que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá requerer a convolação da recuperação judicial do devedor em falência caso:

  1. haja descumprimento dos parcelamentos dos débitos ou da transação recuperacional, previstos na NLF; ou
  2. quando for identificado esvaziamento patrimonial do devedor que implique liquidação substancial da empresa, em prejuízo de credores não sujeitos à recuperação judicial, como é o caso da Fazenda Pública.

O primeiro caso é bastante objetivo: basta o descumprimento das condições do parcelamento acima previstas e já nasce o poder-dever da Administração de “requerer a convolação da recuperação judicial em falência”. Alguns pontos devem ser explorados e serão tratados abaixo.

No É considerada substancial a liquidação quando não forem reservados bens, direitos ou projeção de fluxo de caixa futuro suficientes à manutenção da atividade econômica para fins de cumprimento de suas obrigações.

Na hipótese de decretação de falência pela liquidação substancial da empresa, as alienações realizadas serão preservadas e consideradas eficazes, para não prejudicar o terceiro adquirente de boa-fé. O produto de tais alienações, por outro lado, deverá ser bloqueado, com a consequente devolução ao devedor dos valores já distribuídos a eventuais credores, os quais passarão a ficar à disposição do juízo.

Anteriormente, o STJ tinha posicionamento consolidado de que as Fazendas Públicas não detinham legitimidade ativa para requerer a falência de empresas e/ou empresários. É bem verdade que o próprio Tribunal de Justiça Paulista já reconheceu e destacou que, nos termos do artigo 94, II (não o inciso I), da Lei nº 11.101/05, a Fazenda Pública, muito embora tenha ajuizado execução fiscal, por não ter localizado bens do devedor suficientes para satisfazer a dívida e tendo sido exauridos os meios para obtenção do seu crédito, estaria legitimada ativamente para requerer a falência, não sendo possível retirar do ente público a possibilidade de requerer a falência do devedor nestes casos.

Entendemos que tal dispositivo traz consigo diversas e várias dúvidas sobre sua aplicação, em especial à possibilidade de incidência sobre os parcelamentos ordinários, extraordinários, à transação tributária e/ou a negócios jurídicos processuais que estejam ou não ligados à NLF..

Nesse sentido, certamente haverá diversos debates e questionamentos acerca de tal dispositivo. Porém, uma verdade é certa: tais dúvidas dizem respeito a empecilho, ao nosso ver inconstitucional, que oferece oportunidades pouco atrativas aos contribuintes para renegociar os débitos no ambiente da recuperação.

Assim, não é crível que haja na legislação, no que tange ao parcelamento tributário recuperacional ordinário, parcelamento sem qualquer redução e ainda a contrapartida de concessão de poderes legais à PGFN de convolação da recuperação em falência em caso de exclusão do parcelamento e/ou por entender .

Na prática, implica em claro desequilíbrio a adesão ao Parcelamento Federal Ordinário previsto na NLF frente a outras modalidades de (re)negociação da dívida fiscal existentes fora do contexto da legislação recuperacional (i.e., parcelamento ordinário, transações tributárias e outros negócios jurídicos processuais),

Este ponto, então, parece-nos estar afastado da importante missão, necessidade e finalidade da NLF: criar mecanismos para preservação, soerguimento e reinserção das Empresas que dela se socorrem. Ainda mais se pensarmos que tal possibilidade somente se dá em relação à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e não às Procuradorias dos Fiscos Municipais ou Estaduais que forem credores da recuperanda.

  1. Continuidade das Execuções Fiscais e a Nova Lei de Falências

“por meio de uma analise à lei, de onde se extrai que a continuidade da execução fiscal em face de empresa recuperanda não se dá de per si, isto é, incondicionalmente, mas através da cooperação jurisdicional, com a ressalva da preservação da competência do juízo recuperacional para avaliar e fazer substituir eventuais atos de constrição ocorridos na via executiva fiscal recaídos sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial.

Tema nº 987 do Superior Tribunal de Justiça, notadamente ao buscar favorecer o soerguimento da empresa em crise sem, de outra banda, ofertar ao credor público um risco desmesurado de irrecuperabilidade de seus créditos, como visto nas execuções suspensas pelo processamento da recuperação judicial de empresas devedoras – dadas, por exemplo, a não sujeição dos créditos tributários à via recuperacional e a dispensa da regularidade fiscal para fins de concessão da recuperação judicial.

“conquanto a afetação de tema ao rito de recursos repetitivos tenha por fim a produção de precedente vinculante, eventual reforma do sistema, com alteração de norma em redor da qual se sustenta o debate, tem o condão de tornar natimorto o potencial precedente obrigatório. Isso porque, tão logo surgido, operar-se-ia, quanto a tal norma vinculante, o overruling, como reforçam os enunciados 322 e 324 do Fórum Permanente de Processualistas Civis – FPPC”

concluir, hodiernamente, que não mais subsiste o estancamento das execuções fiscais que têm nos seus polos passivos empresas em recuperação judicial, sequer com alicerce na ordem de sobrestamento oriunda da decisão de afetação do Tema nº 987 da Corte Superior de Justiça, assim como diversos precedentes do Tribunal de Justiça de São Paulo.

  1. Incidência de PIS e COFINS sobre a receita obtida pelas Recuperandas nas renegociações de suas dívidas.

Neste ponto a legislação andou mal e traz realmente um aspecto pernicioso. Todos os débitos que forem diminuídos em função das renegociações, esse “spread” será tributado pelo PIS/Cofins, pois estes são tratados como “receita” pelas Empresas.

Há bastante debate sobre esses temas, mas ainda não há, ao menos no contexto da NLF, qualquer precedente que possibilite à descaracterização dessa tributação.

Artigo escrito pelo advogado Luiz Roberto Braga da Silva, sócio da área tributária do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.

Fonte: Rede Jornal Contábil .

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